Sendo hoje dia da poesia, nada melhor que um poema de um dos maiores poetas portugueses: Fernando Pessoa. Neste caso, a escolha recai sob um dos seus heterónimos - Álvaro de Campos.
Que Noite Serena!
Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!
Suave, todo o passado — o que foi aqui de Lisboa — me surge...
O terceiro andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a horas próprio, hoje morto.
Meu Deus, que fiz eu da vida?
Que noite serena, etc.
Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...
Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Breve análise
Neste poema, o sujeito
poético recorda nostalgicamente o tempo de infância e compara-o ao momento
presente em que vive.
Assim, o eu poético, na segunda estrofe, evidencia
como vivia antigamente em Lisboa, onde existia sossego e felicidade, sem
existir grandes preocupações que se têm quando se chega à fase adulta.
Além disso, o eu lírico relembra a sua vida
quotidiana, por exemplo o constante ruído da máquina de escrever das tias.
No entanto, o sujeito lírico tem noção que está a
viver o presente e que o passado já mais não volta. Por isso, questiona-se
sobre o percurso da sua vida, uma vez que a felicidade que existia na infância
transformou-se em mágoa, desilusão e tristeza. A comprovar esta ideia, recorre-se aos últimos versos como “e dói, dói, dói…”
Nesse sentido, no último verso, o sujeito poético não
quer mais recordar para não aumentar o seu sofrimento. Se não se lembrar, não se
sente tão frustrado e deprimido por não poder mais reviver a época da
inconsciência, ingenuidade e verdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário